Para que o mundo seja do jeito que a gente quer, a mudança começa conosco, nos pensamentos, ações e sentimentos. Não adianta o ser humano ser bom, se ele tiver pensamentos negativos em relação a si e/ou ao próximo, ou reações tão negativas diante do negativo que reverte pra si o de pior. É necessário que sejamos uno em todas as nossas atitudes mentais, físicas, espirituais, pensar/agir/sentir da mesma forma, superando as diferenças e reagindo ao desconhecido sem pré-conceito, e colocando em prática a lei do amor. Quando conseguirmos juntar essas energias todas e nos tornarmos uno com o universo, teremos aprendido o que Jesus nos ensina, o que a vida nos testa, o que Deus quer de nós. Comunhão. textinho da Chris

domingo, junho 22, 2014

Distrações em uma estrada para o sol

Filosofia Clínica
Distrações em uma estrada para o sol
Uma menina passou pelas páginas de Goethe

Por Lúcio Packter


Uma menina passou pelas páginas de Goethe. Ela caminhava para o sol (o sol dela, com borboletas e passarinhos, pois o sol dela era assim); ela se envolveu com pessoas e situações que prometiam promover sua caminhada para o sol. Mas esse aceno existencial era um engodo, não proposital, pois nem mesmo quem acenava para ela sabia que distraía a menina de sua jornada rumo aos passarinhos. O brilho, a retórica, os sons que emanavam pareciam celestiais, mas eram dos abismos. Sedução e aspectos sociais eram alguns dos elementos responsáveis por tais enganos.
Mas então a menina das páginas de Goethe, distraída de seu caminho, afastada dele, ao tomar contato com aqueles contextos e pessoas que lhe acenaram, fez uma importante descoberta. Aqueles que lhe causavam dor, medos, aborrecimentos não eram menos desenvolvidos existencialmente como ela pensava (e pensava isso pela dor que eles causavam a ela). Ela descobriu que ela mesma era o elemento retrógrado, atrasado, medieval, e não as pessoas que estavam no abismo! Soube disso quando olhou para cima, viu as pessoas do abismo acima dela. Ora, mas onde então estaria a menina? Estava ainda abaixo, mais baixo; precisaria ainda caminhar muito para chegar ao abismo e para poder sonhar com seu sol. O sol estava mais perto do abismo do que dela. Aqueles qque lhe acenavam, que estavam presumidamente mais desenvolvidos, causavam dor a ela?! Como isso era possível? Uma das formas era quando orientavam a menina a ser participativa e não competitiva; a ser afetuosa, e não possessiva; a ser piedosa e não rancorosa; isso lhe originava dor.
Como poderia saber a menina o que se passava? Philip Roth, em Teatro de Sabbath, escreveu: "As parvoíces em que temos de nos meter para chegarmos aonde temos de chegar, a extensão dos erros que precisamos cometer! Se nos informassem antecipadamente de todos os erros, diríamos não, não posso fazer isso, têm de arranjar outro qualquer, eu sou demasiado esperto para fazer essas asneiras"
Na caminhada rumo ao sol, a metáfora filosófica, alguns se distraem achando que são o que conquistaram, o que fizeram, o que se tornaram, o que aconteceu com eles durante a jornada existencial que é a vida. Assim, se os negócios são arruinados, a pessoa pode querer se matar, pois se julga destruída; se um amor é desfeito, a dor da rejeição atinge a essência, e a pessoa pode querer pôr um final à existência; se ganha todos os prêmios da sociedade dos homens, pode achar-se um ser superior, um líder.
Os eventos ao longo da historicidade de vida evidenciam onde a pessoa esteve, com quem, o que aconteceu. A pessoa é a escuna que navega os eventos, não os eventos, ainda que determinadas identidades se formem por amálgamas e a pessoa possa se tornar um trecho ou um evento da trajetória que é a historicidade de vida (um caso complexo, mas possível). São distrações prováveis da caminhada para o sol de cada um. Para que essas distrações ocorram, determinadas ferramentas são instrumentalizadas, como o esquecimento. Olhe o que Brecht escreveu sobre o assunto:
"Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena demais.
O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão."
Os protocolos, as burocracias existenciais... em uma caminhada em direção ao sol, o sol de cada um, se cada um tiver um sol para ir e para lá pretender andar. Um desvio corriqueiro costuma aparecer por conta dos labirintos protocolares nas experiências. Tradução: complicar o que é simples e que é infenso às complicações burocráticas. Exemplos: remoer indefinidamente assuntos vencidos, meter-se em conjecturas que levam a outras sem fim, ocupar- se de padecimentos menores que encobrem a bela jornada... etc. Estes podem ser alguns dos desvios, das distrações. Muitas pessoas, quando a vida já vai longe, costumam confessar que gostariam de não ter dado tanta ênfase quanto deram a pequenos dissabores, enganos, dores, medos. Na ocasião, alguns sabiam disso, mas se deixaram encantar por protocolos, os diminutos labirintos que consomem parte da graça da vida.
Uma das maiores distrações: acreditar nos problemas por aquilo que eles não eram, ter compreendido que eram motivo de descrença, desânimo, dor, medo, amargura. Quando a menina envelheceu, entendeu que os problemas são provavelmente placas de trânsito, que avisam quando ir devagar, quando estacionar, quando existe curva aguda no caminho. Não é assim para todos, mas foi assim para ela. Como diferenciar quando um problema é uma placa de trânsito ou outra coisa?